União Europeia e as restrições para a importação da carne bovina brasileira

Por Amandha Nunes e Flávia Molina

Após a ameaça brasileira de levar o caso à OMC (Organização Mundial do Comércio), o Brasil prossegue as negociações com a União Europeia referentes ao caso que afetou, sobretudo em 2008, o então maior exportador mundial de carne bovina.

As exigências europeias para a importação do produto revelaram-se  uma barreira à entrada de carne bovina brasileira nos países do bloco; barreira a qual o governo nacional tenta derrubar – ou pelo menos reduzir – por meio das negociações internacionais.

Para compreender intuito das negociações é necessário conhecer mais a fundo o histórico do caso, seguido dos impactos sobre os atores e quais os objetivos almejados pelos atores neste contexto.

Histórico do caso

Foram suspensas, em fevereiro de 2008, as exportações do Brasil de carne bovina “in natura” para a União Europeia. Tal decisão foi tomada pela UE devido à falta de acordo entre autoridades europeias e brasileiras sobre a quantidade de fazendas brasileiras que poderiam receber a certificação para exportar o produto aos países membros do bloco.

A União Europeia havia restringido o número de fazendas que poderiam receber tal certificação a 300, apenas 3% das 10 mil registradas no passado. Entretanto, a lista apresentada pelo Ministério da Agricultura continha cerca de 2.600 propriedades.  O comissário europeu de Saúde, Markos Kiprianou, após o anúncio de suspensão das importações, anunciou que o bloco não poderia ter certeza de que todos os estabelecimentos aprovados pelo Brasil foram inspecionados individualmente, conforme as suas exigências.

Assim sendo, os europeus negaram a publicação da lista no Diário Oficial da União Europeia – como estava previsto no cronograma de entendimento sobre o comércio do produto realizado ano passado – e, portanto, nenhuma fazenda brasileira possuía autorização para exportar a carne.

A União Europeia havia instaurado um rígido sistema de rastreabilidade do gado e passado a exigir controle semelhante dos países exportadores para o bloco, após sofrer com as consequências do que ficou conhecida como a doença da “vaca louca” (encefalopatia espongiforme bovina ou EEB) no gado europeu – doença neurodegenerativa transmissível ao homem.

Dessa forma, o foco da falta de acordo entre Brasil e UE são questões sanitárias. Em outubro de 2007, o bloco já havia informado o Brasil sobre incoerências no que exige a UE e o que era feito pelo país. Os problemas envolviam a certificação e o rastreamento de origem do gado brasileiro. Tais problemas foram detectados novamente em inspeções em novembro do mesmo ano.

O Estado brasileiro

“O governo brasileiro lamenta a decisão da Comissão Europeia de suspender temporariamente as exportações de carne para o mercado europeu. […] A decisão, de nosso ponto de vista, é descabida, arbitrária e desproporcional. Não podemos ignorar o fato de que interesses comerciais de produtores europeus foram afetados pela competitividade da carne brasileira e que estes têm apoiado campanha publicitária para defender restrições às exportações brasileiras, com base em falsas alegações a respeito da situação sanitária no Brasil. Somos o maior exportador de carne do mundo. Mais de 150 países compram carne brasileira por reconhecer sua qualidade. […] A decisão europeia é injustificável, na medida em que a carne brasileira não representa risco à saúde humana ou animal”, defende o embaixador brasileiro Clodoaldo Hugueney Filho no Conselho Geral da OMC em fevereiro de 2008.

As exportações de carne bovina, segundo a Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportações de Carne), em valor, caíram 45% em janeiro de 2009, em relação ao mesmo período do ano passado. No total do primeiro mês do ano, foram comercializadas no mercado externo US$ 255 milhões contra US$ 465 milhões no mesmo mês do ano passado. Já em volume, a queda também se mostrou expressiva, alcançando 34%, com 81,8 mil toneladas vendidas ante as 124,7 mil toneladas exportadas em janeiro de 2008.

Em relação às exigências sanitárias impostas pelos europeus e à falta de acordo entre UE e Brasil, o ministro Celso Amorim afirmou que “de qualquer maneira, independentemente do que a gente possa ter feito ou deixado de fazer, é um sistema pesado que, na realidade, foi criado na Europa em função de problemas que não existem no Brasil, como o mal da vaca louca”. O ministro também comentou que a lógica que está por trás da proibição da importação não está relacionada com temas sanitários e sim administrativos, o que Amorim não considerava algo correto.

Em reunião no Conselho Superior de Agronegócio da FIESP, o ministro da Agricultura Reinhold Stephanes argumentou que a relação de fazendas em conformidade com as exigências da UE deveria ficar ao menos entre 500 e 600 propriedades. Segundo Stephanes, são necessárias de três mil a cinco mil fazendas para haver densidade suficiente pra exportar. “Com 300, não se enche nem um contêiner”, afirmou em reunião com empresários.

As Negociações

Poucos dias após o anúncio da suspensão das importações, o governo brasileiro passou dois dias negociando em Bruxelas para readmitir as importações de carne do Brasil, porém não conseguiu convencer a Comissão Europeia. Segundo um alto cargo da CE que participou das negociações, “o problema não é ter uma lista de 300 fazendas, mas sim ter uma lista com fazendas que cumpram as condições especificadas Todos os estabelecimentos que estão dentro dessas condições serão aprovados. Se são 300, muito bem. Mas se são 400 ou 500 também está bem. Ninguém deveria se centrar nesse número”.

As normas firmadas em julho de 2007 previam que o gado fosse rastreado do nascimento ao abate, com dados contendo informações do local que o animal viveu, as vacinas tomadas, frigorífico que processou a carne, e etc. Devido à resistência de grande parte dos pecuaristas brasileiros, as normas nunca foram completamente implementadas no Brasil.

Em audiência no Senado, o ministro Stephanes concordou com às críticas europeias e admitiu que a lista de fazendas apresentada à UE continha incongruências, pois descumpriam as regras acordadas com os europeu. Afirmou que os fazendeiros haviam aderido à norma, porém não tinham cumprido as exigências.

O Brasil começou a se ajustar gradualmente às exigências da União Europeia para a exportação de carne bovina. Após a apresentação da primeira lista, o número de fazendas que poderiam receber certificação para exportar para a UE caiu, chegando a alcançar menos de 200 propriedades. Stephanes também garantiu que esse número aumentaria com o passar do tempo. O governo e os produtores temiam que a restrição europeia poderia influenciar negativamente no comércio com outros parceiros brasileiros, como o Oriente Médio e a Ásia.

O Brasil cogitou levar a questão do embargo aos tribunais da OMC. Marcus Vinícius Pratini de Moraes, presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), declarou não considerar o embargo da União Europeia uma questão sanitária e sim uma questão comercial, que poderia ser solucionada na OMC, como ocorreu nos casos do açúcar e do algodão. Segundo o Secretário de Agricultura de São Paulo, João Sampaio, ao anunciar que só importaria carne de 300 fazendas brasileiras, a UE cria uma cota, o que fere os princípios da OMC. Todavia, uma disputa no Órgão de Solução de Controvérsias da organização poderia durar até dois anos, um tempo muito longo para o país. Além disso, com a ameaça de ir para a OMC, as negociações entre Brasil e UE se intensificaram.

Características da negociação

Objeto tratado

Comércio internacional; normas do comércio internacional; questões sanitárias.

Atores

Estatal e Supra-estatal

Nível

Bilateral

Natureza

Distributiva e Integrativa.

Aspecto das negociações

Barreiras para a  exportação de carne “in natura” para a UE; cumprimento das normas exigidas pelo bloco para importação; fazendas brasileiras aptas a exportar.

Análise micro

Lista irregular de propriedades brasileiras aptas a exportar para a UE.

Análise meso

Normas europeias para importação de carne bovina.

Análise macro

Negociação envolvendo o governo brasileiro, a UE e as entidades relacionadas, como a Abiec e em alguns momentos a OMC

 Considerações finais

Dia 27 de fevereiro de 2008, foi anunciado pela UE o fim do bloqueio total às importações da carne brasileira, autorizando 106 fazendas a vender o produto para o bloco. No entanto, a grande maioria das fazendas produtoras continuaram embargadas, representando uma barreira – seja ela sanitária como alegou a comunidade europeia ou comercial, como defendeu os representantes nacionais.

O bloco fez diversas missões para inspecionar fazendas brasileiras e com o desenrrolar das negociações, a União Europeia foi expandindo o número de fazendas aptas à exportar a carne bovina. Com isso, o Brasil voltou gradativamente a suprir o mercado europeu, mesmo apesar da resistência dos produtores da região e a Europa está recuperando seu principal fornecedor.

Atualmente, em 2013, as negociações ainda não chegaram a um fim definitivo já que o embargo ainda está mantido para algumas regiões do país e o Governo brasileiro não conseguiu afrouxar as normas impostas pela Europa como almejava. No entanto, o número de fazendas na lista de propriedades exportadoras subiu para um número superior a 2.000 e o debate continua no sentido de estabelecer um número aceitável para ambos os atores envolvidos.

Fontes

Surto de “vaca louca” na Europa tornou controle mais rígido. Jornal do Senado. 18 de fevereiro de 2008. Disponível em <http://www12.senado.gov.br/jornal/edicoes/2008/02/18/surto-de-vaca-louca-na-europa-tornou-controle-mais-rigido> Acesso em: 17 de ago. 2013.

Conselho Geral da OMC – Intervenções do Delegado Permanente do Brasil em Genebra, Embaixador Clodoaldo Hugueney Filho – Acordos de Parceria Econômica e suspensão temporária de importação de carne bovina brasileira pela Comissão Europeia. 5 de fevereiro de 2008.Disponível em: <http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/2008/02/05/conselho-geral-da-omc-intervencoes-do-delegado/?searchterm=carne%20bovina%20exporta%C3%A7%C3%A3o> Acesso em: 18 de ago. 2013.

DANTAS, Iuri. Brasil vai negociar nova norma sobre importação de carne com europeus. Folha de São Paulo. 26 de fevereiro de 2008. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u376084.shtml> Acesso em: 18 de ago. 2013.

PRESSE, Frances. Brasil retoma aos poucos as exportações de carne bovina à Europa. Folha de São Paulo, Bruxelas. 06 de maio de 2009. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u561279.shtml>.

Itamaraty ameaça levar “disputa da carne” à OMC. Folha de São Paulo, Brasília. 19 de fevereiro de 2008. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u373761.shtml> Acesso em: 16 de ago. de 2013.

Entenda o embargo da UE à carne bovina do Brasil. Folha de São Paulo. 27 de fevereiro de 2008. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u376539.shtml> Acesso em: 16 de ago. 2013.

Um mercado menos importante para o Brasil. Rev. Valor Econômico. 6 de fevereiro de 2012. Disponível em: <http://www.valor.com.br/impresso/agronegocios/um-mercado-menos-importante-para-o-brasil> Acesso em: 18 de ago. 2013

O embargo europeu à carne brasileira poderá terminar na OMC?. International Centre for Trade and Susteinable Development. Fevereiro de 2008. Disponível em: <http://ictsd.org/i/news/pontesquinzenal/5226/> Acesso em: 17 de ago. 2013

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